Há quem encontre liberdade em Cristo e há aqueles que a encontram ao se libertar dele. Entender que não há qualquer contradição nisso é a primeira lição para a construção de uma vida após o Cristianismo. O gozo e a angústia em se anular do seu Corpo podem nos viciar, nunca nos deixando realmente ir, nos aprisionando em um ciclo agônico cuja resolução pende entre a imagem do Filho Pródigo ou do Diabo.
Rejeitar o Reinado de Cristo é absolutamente insuficiente sem a rejeição ao Império do Anticristo. Abandonar o noivado com o Cordeiro não deve significar imolá-lo mais uma vez, tornar-se sua antítese ou mesmo dizer que seu nome não tem ou nunca teve significado. Não precisamos queimar todas as suas palavras, nem ignorar que estamos emaranhados em um imaginário civilizacional que carrega suas marcas, o desejo de uma pureza não-cristã não deixa de ser um retorno reprimido da vontade de expiação crística.
A decisão de não caminhar mais juntamente com Cristo deve nos possibilitar escolher como andar a partir do momento que o deixamos, não nos ressentindo com os antigos trajetos, mas seguindo em outra direção. Obviamente tudo isso não é simples, ambientes abusivos e controladores nos deixam marcas no corpo e ameaças de torturas eternas geram cicatrizes na alma. Em uma sociedade cristã, mesmo secularizada, nos vendem a ideia que só há dois caminhos: a cruz ou sua ausência.
Mas existem muitos caminhos abertos e ainda a serem abertos, e tal multiplicidade não precisa existir em oposição ou a partir da oposição ao Cristo. Isso não anula o fato de que há uma guerra religiosa em curso alimentada pela Indústria Missionária e pelo conservadorismo cristão, mas nos impele a estender as mãos para aqueles cristãos que superaram seu exclusivismo teo-soteriológico e que podem lutar conosco nas mesmas trincheiras, entendendo que temos o direito de não pertencer mais ao Corpo de seu Deus.